Contra tapetes e aspiradores

Quando eu era adolescente e minha mãe me pedia para ajudar com a limpeza da casa, eu logo desanimava. Era uma tortura. Enrolava para começar, para fazer e para terminar. Na maioria das vezes, nem conclusão havia. Tinha que varrer toda a casa, depois disso, buscar a pá, coletar a sujeira e levar ao lixo. Boa parte das vezes, eu pensava: com um tapete enorme dando sopa na sala, por que não jogar a sujeira toda debaixo?

Cheguei a fazer isso uma ou duas vezes. Mas, logo depois, me sentia culpada, levantava do sofá e ia buscar a pá e o saco de lixo. Depois de um tempo, minha mãe comprou um aspirador. Foi a grande evolução da faxina. Em 10 minutos, eu aspirava tudo como num passe de mágica.

E assim tem sido com os sentimentos.

Hoje, as pessoas não precisam só jogá-los para debaixo do tapete. Elas simplesmente “aspiram”. Negam, absorvem, dão sumiço. Sentimentos são cada vez mais superficiais e descartáveis. E confesso que estou bastante cansada. Dessa superficialidade das pessoas. Das mentiras. Dos personagens que elas mesmas criam. Dessa fraqueza com que lidam com os sentimentos.

Conversando com uma amiga essa semana, discutíamos o quanto as pessoas estão perdidas. Está claro que a infinidade de caminhos e opções é inversamente proporcional à segurança das escolhas. Ninguém sabe mais o que sente. Ou até sabe, mas pra que identificar o sentimento? Muito mais fácil jogar para debaixo do tapete. Ou melhor, fingir que não existe e que nunca existiu. Deixa lá, quietinho. Ninguém vê, ninguém sente.

Quando se conhece alguém, pensar em se envolver, hoje em dia, é uma afronta. Absurdo dos grandes. Você nega até a morte. Quando, inconscientemente, já se percebe envolvido, vem a fuga. A negação. A fraqueza.

Muito mais fácil e cômodo jogar o sentimento pra debaixo do tapete. Ou melhor, fingir que ele nunca existiu, aspirá-lo e agir como se ele não estivesse ali. Ninguém abre mão de nada por sentimento. Abre sim, por aquele trabalho em outra cidade, pelo sonho de viajar para o exterior ou até mesmo pelo melhor cargo na empresa.

Mas, por sentimento, acha! Loucura. Surreal. Absurdo.

Somos inundados por uma fraqueza que nos impede de agir. Não de largar tudo e de se jogar nos braços do outro, não é disso a que me refiro. É abrir mão do desejo de deixar pra lá, de jogar para debaixo do tapete algo que pode ser vivido. É abrir mão de aspirar o que te faz sentir. Por medo. Por fraqueza de assumir e de correr os riscos. Por receio da intensidade.

Estou cansada de pessoas fracas e rasas. Estou cansada de vassouras e aspiradores que deixam os sentimentos em segundo plano. Sou o sentir. Intenso, vívido e pulsante. Até quando?

Até que aspiradores alheios não suguem minha esperança. Ou a joguem para debaixo do tapete.


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