Feminismo não vem só de casa
Minha mãe sempre foi a “chefe” da casa. Sim, uma mulher. Ela sempre trabalhou fora, mesmo quando precisou deixar dois bebês, com um ano e quatro meses de diferença, com babás ou com as avós. Quando chegava do trabalho, ainda dava conta de nos dar toda atenção que precisávamos, de preparar o jantar e ainda fazer uma breve faxina na casa, junto com o meu pai, é claro. Além disso, minha mãe era quem cuidava das contas. Controlava os gastos, permitia algumas regalias e economizava em outras.
Apesar de todo mérito concedido a ela, não posso deixar de falar da posição do meu pai em relação a tudo isso. Ao contrário do que vocês podem pensar, ele nunca foi alheio a nenhuma dessas questões. Sempre foi muito participativo, muito amoroso e, claro, um parceiro e tanto para a minha mãe. Sobretudo, meu pai nunca foi machista. E não é pelo simples fato de “permitir” à minha mãe que ela liderasse e decidisse a maioria das coisas. Meu pai nunca precisou permitir, porque ele nunca se sentiu dono de nada.
Ele sempre se comportou como parte do processo. Uma parte essencial, é claro, mas não a única. Desde a minha criação e a da minha irmã até as tarefas domésticas, meu pai esteve sempre ali, fazendo tudo junto com a minha mãe e dando total liberdade para que ela se inserisse não só nas questões da casa, mas em tudo que ela julgasse necessário. Até hoje, mesmo doente, meu pai insiste em lavar a louça de todas as refeições da casa. Um gesto simples que reflete toda a criação que foi dada a mim e à minha irmã.
Crescemos em um ambiente em que o feminismo não era apenas um conceito, mas sim, uma questão ligada à prática. Não nos foi ensinado como agir como mulher, porque nos foi dado o exemplo. Em contrapartida a uma mãe guerreira, batalhadora e libertária, um pai compreensivo e participativo em todas as questões femininas. Para ele, ter ao lado cinco mulheres era motivo de muito orgulho. As cinco mulheres da sua vida, como ele mesmo dizia. Minha mãe, eu, minha irmã, sua mãe e sua sogra.
No meu caso, o entendimento dos conceitos de feminismo e machismo vieram muito antes de eu, realmente, entender o que eles significavam. Feminismo veio de casa. Machismo passou longe por ali. Diante de tanto abuso de familiares, de violência física e psicológica contra as mulheres e tantas outras questões, é inevitável não ser grata por esse contato com os ideais feministas ainda nos primeiros anos de vida.
Nem todos tiveram e têm a sorte de crescer em um lar como o que eu cresci. No entanto, o que nos conforta é que o mundo, apesar de não parecer, tende a ficar melhor. Hoje, falamos mais sobre feminismo. Estampamos machistas nas redes sociais. Conseguimos voz para denunciar agressores. Nos livramos de relacionamentos abusivos e o melhor, conseguimos identificá-los. Apesar de lares feministas ainda serem exceção, a cada dia, caminhamos em direção à regra.
Tenho certeza de que meus pais não nasceram em um lar como o que eles criaram. No entanto, mesmo diante das adversidades, eles fizeram a diferença. E você também pode. Liberte-se!
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Ao questionar-se a necessidade do feminismo, leia aqui.