Quando os pais se tornam filhos

Foi meu pai quem me ensinou a nadar. A mim e a minha irmã. Nas tardes de domingo, íamos para o clube da cidade, preparadas para aprender a lição passada por um ex-salva-vidas. Nossos olhos brilhavam, observando-o todos os seus conselhos para obter a braçada perfeita. Desde pequena, o ditado foi literalmente muito bem aplicado a mim: filho de peixe, peixinho é. Durante as aulas, meu pai se mantinha ali, firme, passando toda a segurança para que que não hesitássemos em tentar.

Lembro-me de uma vez em que durante uma pausa para lancharmos, minha irmã, de repente, pulou na piscina de maior profundidade. Imediatamente, meu pai pulou para resgatá-la. Obviamente qualquer pessoa pularia para salvar uma criança de cinco anos. No entanto, só os olhares de um pai atento puderam perceber o salto antes mesmo que todos dessem conta. Ele não era qualquer pai.

E continua não sendo. Apesar de, hoje, ter se tornado mais filho do que pai. Há uns dois anos, foi diagnosticado com uma doença neurodegenerativa, progressiva e sem cura. Aos 57 anos de idade, sua idade mental se assemelha a de um garoto de 10. Sua memória falha e a noção de realidade também. Passou a amar doces e refrigerantes. Fica louco por uma festa de aniversário, em que pode se esbanjar de bolo e docinhos. Adora televisão e ri com qualquer coisa que ela transmita. As Vídeo Cassetadas então, são uma atração à parte. Suas risadas contagiam a todos na sala. É impossível não rir.

Ele vive leve e feliz. O peso da doença é carregado pelos outros. Principalmente pela minha mãe, por mim e pela minha irmã. Para nós, filhas, temos ainda de lidar com o fato de sermos mães do meu pai. É triste a realidade de quando os pais se tornam filhos. Sempre ouvi essa frase e nunca imaginei vivenciar esse momento. E ele chegou, como chega para todos. Talvez, um pouco cedo demais, mas sem deixar de exigir amadurecimento e força, como sempre.

Assim como no passado, em que minha irmã foi salva pelo olhar atento de meu pai, hoje esse papel é exclusivamente nosso. O dever é resgatá-lo todos os dias das profundezas de sua mente confusa. Informá-lo sobre os dias da semana, o mês em que estamos e o limite de comida que ele precisa pôr no prato. É nosso dever dar o máximo de amor a ele, em retribuição a tudo que nos têm feito durante esse tempo. Além disso, é fazer tudo isso com muito carinho e paciência. Afinal, é a nossa vez de facilitar a vida, do nosso eterno salva-vidas.

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6 Comentários

  1. Gabriela Ramos says

    Olá Isabela, tudo bem? Me chamo Gabriela e conheci seu blog através do blog Deles para elas.
    Li seu texto e vivi o Alzimer em casa com a minha vó, sei o quento é difícil e que as vezes a paciência falha. Hoje meus pais não possuem essa doença, mas sim estão cada vez mais filhos. Desejo que vc tenha força para superar cada dificuldade e muito amor a cada manhã, sei que conseguirá!

    1. Isabela Nicastro says

      Gabriela, que bom saber disso!
      Realmente, tem dias que a paciência falha mesmo, mas temos que continuar firmes né?
      Amor por aqui não falta e vamos nos ajudando com o poder dele!

      Volte sempre ao blog! Já curtiu a fanpage? Curte lá e acompanhe os textos novos diariamente.
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      Beijo grande!

  2. Jaqueline says

    Nossa, que triste ler isso… Os dois primeiros anos da faculdade, fui para londrina com a van do seu pai … Lendo vc falando do sorriso dele, lembrei como se fosse ontem das nossas viagens para a Uel, ele sempre falou de vcs com tanto carinho.. Que bom saber que ele tem esposa e filhas tão queridas, que Deus abençoe a vida de vcs e que vcs continuem sendo mães para o seu pai. Tenho certeza que ele merece e vocês serão recompensadas por esse amor e carinho…Um abraço!

    1. Isabela Nicastro says

      Pois é, Jaque, é triste mesmo.
      Mas estamos firmes, dando a ele todo carinho, amor e cuidado necessários.
      Que bom que você tem boas lembranças da época da van. São lembranças eternas, né?

      Obrigada por esse comentário!
      E continue voltando sempre ao blog 🙂

      Beijo grande!

  3. Jose Carlos says

    Bom dia.
    Agradeço por compartilhar a história de seu pai. Bastante inspiradora.
    Hoje me encontro na mesma situação, meu pai de 82 anos sofreu um AVC e tornou-se meu filho. Ao ler seu relato, reuni mais forças para continuar cuidando dele como se fosse meu filho.

    Obrigado
    Jose Carlos

    1. Isabela Nicastro says

      José Carlos, que bom ler esse seu comentário!

      Sim, realmente, cuidar dos nossos pais quando estes se tornam filhos não é uma tarefa fácil. Mas fique firme, eles merecem o nosso cuidado não é mesmo?
      Que bom ter te ajudado pelo menos um pouco nessa fase!
      Conte comigo!

      Um abraço 🙂

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